quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ela.



Não sabia dizer ao certo o que sentia. Na verdade, se tivesse que dar nome àquela sensação seria algo próximo a “necessidade”. Não era vontade, disso ele tinha certeza. Era uma urgência em vê-la, em visitá-la, em entregar-se de corpo e alma. E havia começado do nada, como uma fagulha que incendeia um monte de palha. Começou como um leve farfalhar de asas de uma borboleta, aquela sensação incômoda no estômago. Mal sabia ele que aquele breve momento se tornaria algo tão intenso e profundo. Passou a tarde inteira no escritório com um único pensamento na cabeça – precisava vê-la. Duas horas, três horas, quatro horas, a cada tiquetaquear do relógio o tempo parecia se arrastar ainda mais. Nunca havia sentido algo parecido, e ia além: duvidava que qualquer ser vivente tivesse sentido algo como aquilo. Quatro horas e quarenta minutos, quatro horas e quarenta e cinco minutos. Os repetidos cafés só faziam piorar. A luz fluorescente do ambiente apático acentuava sua palidez quase que cadavérica. Suava frio, se retorcia incômodo na cadeira. Poderia remediar a situação ali no escritório mesmo, mas sentia que aquilo merecia um momento único, especial. Afrouxou o nó na gravata, tirou o paletó, arregaçou as mangas da camisa, diminuiu a temperatura do ar condicionado. Nada funcionava, nada o impedia de pensar nela como a única coisa no mundo que poderia salvá-lo. Precisava dela como os peixes precisam da água. Não era mais um sentimento qualquer, era algo atrelado à própria sobrevivência. Cinco horas, cinco horas e dez minutos, os relatórios ficaram esquecidos em meio a copos de café e genuína angústia. O desespero começava a tomar conta daquele corpo cansado de tanto lutar. Cinco horas e quarenta e oito minutos e os tiques e taques do ponteiro dos segundos pareciam encantados para contar o tempo da maneira mais lenta possível. Tique, taque, tique, taque e o suor frio escorria pelas têmporas e o cérebro parecia derreter-se aos poucos. A gravata, já de lado, testemunhava a lenta decadência de um homem desesperado. Tique, taque. Seis horas. Mal teve tempo de pegar a maleta e já disparava em direção ao estacionamento. O carro parecia uma gigantesca gaiola de metal que o separava dela. O trânsito parecia imóvel, os sinaleiros demoravam horas para abrir, os motoristas pareciam ter resolvido andar na metade da velocidade normal. Depois de minutos que pareceram dias finalmente embicava na rua de casa. As mãos trêmulas, a visão embaçada, resolveu deixar o carro na rua. Acionou o alarme e correu em direção à porta, as pernas bambas de tanta ansiedade. Nem disse boa noite ao porteiro, apertou convulsivamente o botão do elevador. Começava a se arrepender por ter comprado um apartamento no sétimo andar. Um, dois, três andares e só tinha um pensamento na cabeça: ela. Abriu desesperado a porta do apartamento e nem se deu ao trabalho de trancá-la. Jogou o paletó na mesa da cozinha, a maleta no sofá e, derrapando pelo corredor, despia as calças, restando apenas as meias brancas e a cueca. Finalmente, pensava ele, sorrindo de orelha a orelha. Agora era a hora.

Depois de um dia de desespero e agonia, entrou sorrindo no aposento, acionando o interruptor. A luz branca banhou o cômodo. E de repente o mundo parecia muito mais bonito. E, rindo da sua própria condição deplorável, jurava que nunca mais comeria naquele restaurante de novo. Tirou a cueca, apanhou uma revista qualquer e caminhou triunfante.

Lá estava ela. 

A sua privada.


(Lucas Panzarini)