no último andar
daquele prédio velho
morava um homem
entre escombros e sujeira, bitucas de cigarro
e arrependimentos
morava um homem
e aquele apartamento era um templo
à sua própria mente
construída, destruída, refeita
sobre as pedras do rio Eufrates
seixos escorregadios que
ao menor sinal de tremor
deslizavam
por entre as colinas de Santa Fé
entre o México e o sétimo círculo do inferno
aquele homem não recebia visitas
não ouvia músicas
não assistia comédias na madrugada de domingo pra segunda-feira
aquele homem vivia
sobrevivia
afogado em suas lamentações
segurando mães e mãos
e chorando no colo do demônio
aquele homem
de rosto vincado e olhar pueril
um eterno adolescente dramático
deixava a barba esconder suas três ou quatro lágrimas
aquele homem tinha
uma garrafa de bourbon em uma mão
e um revólver calibre .357 na outra
clicando impacientemente o isqueiro
acendendo velas e queimando cartas
aquele homem vivia uma vida mansa
marcada pela sua própria apatia
aquele homem não tinha uma moto
aquele homem não tinha um carro
aquele homem tateava os bolsos
à procura de um último cigarro
com as pernas bambas e o coração em festa
regozijava-se, limpando o suor da testa
subindo o monte das oliveiras carregando sua cruz
ele sabia - era uma batalha perdida
ele sabia que morrera em vida
mas vivia como um messias sem nome ou endereço
e escrevia enquanto ainda havia luz
aquele homem não era infeliz
e não era diferente de tantos outros homens
em seus tantos outros apartamentos
fazendo arte pra não enlouquecer
(Lucas Panzarini)
domingo, 3 de dezembro de 2017
poeira cósmica em três versos
havia um lobo
brincando no mar
correndo na areia
se jogando nas ondas
com os pelos ao vento
e olhos de luar
havia um lobo
brincando no mar
farejando o futuro
rolando na espuma
com as orelhas em pé
e o coração no lugar
havia um lobo
brincando no mar
seguro, tranquilo
banhado por água
por sal e estrelas
senhor do silêncio
com os pelos ao vento
e olhos de luar
(Lucas Panzarini)
brincando no mar
correndo na areia
se jogando nas ondas
com os pelos ao vento
e olhos de luar
havia um lobo
brincando no mar
farejando o futuro
rolando na espuma
com as orelhas em pé
e o coração no lugar
havia um lobo
brincando no mar
seguro, tranquilo
banhado por água
por sal e estrelas
senhor do silêncio
com os pelos ao vento
e olhos de luar
(Lucas Panzarini)
café
num domingo
tedioso
eu entendi
que o amor era aquilo mesmo
o amor eram as minhas duas cadelas
deitadas preguiçosamente no pátio de casa
e quando me viam observando elas
segurando uma caneca de café frio
brilhavam os olhos e abanavam o rabo
um borrão cinzento
a devoção
os olhos marrons, miúdos
se fechando em regozijo
enquanto recebia festinhas naquela barriga peluda
e ela pulava
e me arranhava
sedenta por atenção
quase como quem diz
ei, me note
eu estou aqui
eu gosto de você
por favor goste de mim
e virava de costas pro chão
e rosnava e grunhia e latia
tudo por um afago ligeiro
por meio minuto de atenção
por qualquer palavra simpática
que as lembrasse de que elas não eram meros animais
e foi com um meio sorriso no rosto
e a barba cheirando a café
que eu entendi
eu não era tão diferente delas assim.
(Lucas Panzarini)
tedioso
eu entendi
que o amor era aquilo mesmo
o amor eram as minhas duas cadelas
deitadas preguiçosamente no pátio de casa
e quando me viam observando elas
segurando uma caneca de café frio
brilhavam os olhos e abanavam o rabo
um borrão cinzento
a devoção
os olhos marrons, miúdos
se fechando em regozijo
enquanto recebia festinhas naquela barriga peluda
e ela pulava
e me arranhava
sedenta por atenção
quase como quem diz
ei, me note
eu estou aqui
eu gosto de você
por favor goste de mim
e virava de costas pro chão
e rosnava e grunhia e latia
tudo por um afago ligeiro
por meio minuto de atenção
por qualquer palavra simpática
que as lembrasse de que elas não eram meros animais
e foi com um meio sorriso no rosto
e a barba cheirando a café
que eu entendi
eu não era tão diferente delas assim.
(Lucas Panzarini)
sete dias
o telefone tocou
umas duas ou trinta vezes
eu levantava desesperado
daquela poltrona já marcada pelo peso da minha solidão
o telefone tocou
umas duas ou trinta vezes
e nenhuma delas
era você.
eu recebi naquela semana
umas quatro ou cinco cartas
telegramas, escapulários
e propagandas de clínicas de reabilitação
eu recebi naquela semana
uns treze ou quatorze telegramas
queriam saber se eu estava vivo
e na verdade eu não estava não
eram parentes, amigos, colegas de trabalho
com seus filhos e fotos e passeios matinais
eu recebi as melhores notícias
que uma família feliz pode mandar
naquela semana eu não abri nenhuma carta
naquela semana eu tirei o telefone do gancho
naquela semana eu recusei todos os telegramas
e me afundei de volta naquela poltrona
com uma cerveja e meio maço de cigarros amassados
vendo a vida passar.
(Lucas Panzarini)
umas duas ou trinta vezes
eu levantava desesperado
daquela poltrona já marcada pelo peso da minha solidão
o telefone tocou
umas duas ou trinta vezes
e nenhuma delas
era você.
eu recebi naquela semana
umas quatro ou cinco cartas
telegramas, escapulários
e propagandas de clínicas de reabilitação
eu recebi naquela semana
uns treze ou quatorze telegramas
queriam saber se eu estava vivo
e na verdade eu não estava não
eram parentes, amigos, colegas de trabalho
com seus filhos e fotos e passeios matinais
eu recebi as melhores notícias
que uma família feliz pode mandar
naquela semana eu não abri nenhuma carta
naquela semana eu tirei o telefone do gancho
naquela semana eu recusei todos os telegramas
e me afundei de volta naquela poltrona
com uma cerveja e meio maço de cigarros amassados
vendo a vida passar.
(Lucas Panzarini)
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