terça-feira, 13 de dezembro de 2016

sobre velórios e álcool.

[trilha sonora]



Os cabelos grisalhos, já demonstrando falhas da idade, sacudiam enquanto a chuva os molhava. O cigarro aceso no canto da boca se esquivava por um triz de ser atingido pelos grossos pingos d’água enquanto o homem de meia idade e sobretudo de lã cinza corria pela rua molhada, os velhos sapatos gastos chapinhando nas poças que se formavam ao longo da calçada. A luz amarela dos postes dava um tom de graça na cena, um quarentão barrigudo com cara de professor universitário correndo feito uma criança, sorrindo e pulando na água enquanto fumava um cigarro de filtro branco. Parou de correr quando se deparou com uma porta decadente encimada por um letreiro de neon verde que piscava incessantemente a palavra “BAR”. Entrou sorrindo, abraçou o garçom, cumprimentou os clientes, sentou-se ao balcão e pediu uma dose dupla do melhor whisky que havia na casa. Bebeu de um gole só, ofereceu uma rodada aos presentes, pediu um gim tônica, depois um Martini, então uma vodka e por fim uma cerveja “pra refrescar a garganta”. Acendeu outro cigarro, sorriu para as garotas que ali estavam, deu tapinhas nas costas dos rapazes que jogavam sinuca, abraçou novamente o garçom e dando-lhe uma generosa gorjeta, saiu porta afora, mas não sem antes olhar fundo nos olhos do garçom e com um olhar angustiado e carregado de tristeza, sussurrar um “vou ver a minha garota!”. 

O garçom saiu a tempo de ver o homem sendo esmigalhado por um caminhão em alta velocidade depois de ter se jogado propositalmente na rua molhada e suja.

E não muito longe dali, na capela mortuária da cidade, uma senhorinha chorosa em trajes negros resmungava que "até no dia do velório da própria mulher aquele traste sai pra beber eu bem que falei pra ela não se casar com esse vagabundo eu bem que avisei".

(Lucas Panzarini)