sexta-feira, 1 de maio de 2015

um breve ode à estrada.

Subiu na moto e partiu. Levou só uma jaqueta de couro, seus óculos escuros e todas as suas mágoas. E a estrada o acolhia como a mãe acolhe o filho. E o vento batia no peito e o sol refletia no asfalto e a estrada tinha cheiro de liberdade. O coração batia forte enquanto as pesadas botas misturavam o leve cheiro de couro à gasolina e óleo de motor. E os pneus contra o chão e o vento contra os cabelos negros e a chuva contra a barba e de repente era só ele e o mundo à sua volta.

E, mesmo longe de casa, se sentia mais em casa do que nunca.


(Lucas Panzarini)

solidão, eternidade e um pouco de batom vermelho.

A solidão? Ah pequena, a solidão é amiga de tempos. Me abraçava quando você ia embora. E me cantava cantigas de ninar quando seus olhos viravam ódio e os meus viravam lágrima. A solidão é uma amante cruel, pequena. É a dor que mais vicia, é a tristeza que mais alegra. A solidão era eu e você, pequena. A solidão é o gosto que ficava na minha boca depois de uns quatro ou vinte cigarros, umas duas ou sete doses, uns quatro ou mil beijos. A solidão é aquela marquinha de batom vermelho, é aquele perfume doce, é a beirada do copo que você deixava mordida enquanto olhava as pessoas dançando. E no fim da noite, quando as luzes se apagam e o garçom começa a varrer o chão, a solidão é a meia dúzia de rosas brancas que jogam no nosso túmulo pra depois virar as costas e ir pra casa.


No final das contas a solidão é a única eternidade que temos.


(Lucas Panzarini)

dies irae, dies ille.

E afinal, por quem os sinos dobram?

Não por mim. Jamais por mim. Os sinos batem, badalam, cantam cantigas e o meu réquiem. Me consomem a alma, me destroem a cabeça, me enchem a mente de gongadas eternas perdidas em lufadas de vento e fumaça e cheiro de gasolina. Dies irae, dies ille. Um dia, dois dias e a loucura e o desespero e o asfalto. O asfalto, sempre o asfalto. A mãe que acolhe os vagabundos, os errantes, os desiludidos e os mortos em vida. E o ódio que consome é o ódio que consola. E a faísca de esperança que morre a cada cigarro aceso na chama que consome o que ainda existe, o que ainda insiste, o que todas as noites pensa em morrer mas não se vai. E no fim o que resta é o medo. Que nada mais é do que o amor pintado de preto. E o coração, vermelho sangue, se parte em dois e se divide e se contorce enquanto busca no cérebro um fundo de razão que já não mais existe porque foi substituído por todo o álcool que eu consumi desde que eu só enxergava os cabelos longos caindo pelas costas e a porta do trem se fechando e então a paisagem morta da estação habitada por todas as minhas dúvidas.

E um sopro dispersa os limites da lareira enquanto Rimbaud se contorce em sua essência por ver a sua obra usada pra fim nenhum por um ninguém que sequer sabe falar francês.


(Lucas Panzarini)