no último andar
daquele prédio velho
morava um homem
entre escombros e sujeira, bitucas de cigarro
e arrependimentos
morava um homem
e aquele apartamento era um templo
à sua própria mente
construída, destruída, refeita
sobre as pedras do rio Eufrates
seixos escorregadios que
ao menor sinal de tremor
deslizavam
por entre as colinas de Santa Fé
entre o México e o sétimo círculo do inferno
aquele homem não recebia visitas
não ouvia músicas
não assistia comédias na madrugada de domingo pra segunda-feira
aquele homem vivia
sobrevivia
afogado em suas lamentações
segurando mães e mãos
e chorando no colo do demônio
aquele homem
de rosto vincado e olhar pueril
um eterno adolescente dramático
deixava a barba esconder suas três ou quatro lágrimas
aquele homem tinha
uma garrafa de bourbon em uma mão
e um revólver calibre .357 na outra
clicando impacientemente o isqueiro
acendendo velas e queimando cartas
aquele homem vivia uma vida mansa
marcada pela sua própria apatia
aquele homem não tinha uma moto
aquele homem não tinha um carro
aquele homem tateava os bolsos
à procura de um último cigarro
com as pernas bambas e o coração em festa
regozijava-se, limpando o suor da testa
subindo o monte das oliveiras carregando sua cruz
ele sabia - era uma batalha perdida
ele sabia que morrera em vida
mas vivia como um messias sem nome ou endereço
e escrevia enquanto ainda havia luz
aquele homem não era infeliz
e não era diferente de tantos outros homens
em seus tantos outros apartamentos
fazendo arte pra não enlouquecer
(Lucas Panzarini)
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