Não havia sol lá fora. Apenas uma cortina fechada, uma porta
trancada e uma cama rangendo. O teto era testemunha de cada gemido, as paredes
eram cúmplices do crime mais profano, as janelas respiravam o suor das duas
carnes que se faziam uma. Não se sabia aonde começavam as mãos fortes dele e
aonde terminava a pele delicada dela. A tez bronzeada se mesclava à palidez
ofuscante quase como o leite se mistura ao café. Aquecidos pelo fogo no olhar
de cada um. Uma necessidade que urgia, que surgia, que clareava o horizonte.
Era amor, era ódio, era vingança e era inocência. A mão fechada por sobre a
garganta, a língua sobre o peito arfante, as unhas rasgando a carne, o sangue
brotando dos braços musculosos, as curvas perfeitas por debaixo dos lençóis. E
em cada estocada um gemido, e em cada gemido uma sensação nova. E quando os
dedos se entrelaçavam e os olhos se encontravam as duas respirações ofegavam
novamente, como quem se afoga num mar daquilo que não se conhece. E entre tiros
no escuro e mordidas os dois corpos se tornavam uma alma. E ainda que fosse só
carne, suor e libido não havia o que afastasse a ideia de algo mais. Algo esse
que ninguém fazia questão de conhecer, ninguém precisava explicar. Apenas
estava lá, como um vigilante silencioso, a zelar pelas sucessivas explosões de
êxtase que permeavam os cabelos e acabavam por terminar num jorro cegante de
paixão perdida. Um braço para aninhar, outro para pegar um maço novo de
cigarros, outra mão para acender o rolo de nicotina, a outra para afastar os
cabelos do rosto. Duas bocas, quatro pernas, vinte dedos e uma nuvem de fumaça
pairando por sobre o quarto escuro cheirando à whisky. Duas bocas, dois
sorrisos e dois olhares. Duas bocas, duas línguas, duas respirações. Duas
bocas. Um beijo.
E de repente havia sol lá fora.
(Lucas Panzarini)
(Lucas Panzarini)
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