E naquela noite modorrenta de dezembro, enquanto eu caminhava por
becos tortuosos em busca de algo que nem eu sabia, aparecem em minha
frente o Diabo. Não me perguntem como eu sabia que era ele, quem sabe
tenha sido o cheiro do enxofre. Ou a maquiagem carregada. Ou até mesmo o
bigodinho descolorido com água oxigenada comprada na farmácia mais
próxima. Mas ele veio até mim. E não dava pra definir ao certo o que ele
era. Era homem, mulher, criança, bode e ovelha, um lobo negro de
pelagem brilhante e um peixinho dourado soltando borbulhas sulfúricas
enquanto sorria um sorriso amarelo. E quando ele veio até mim tinha o
formato de uma atraente mulher. Os lábios vermelhos como o sangue, os
olhos maquiados como as gueixas mais caras às quais somente o Imperador
tem acesso, o corpo esculpido no mais puro mármore de Carrara, quase que
uma Vênus de Milo só que com braços delicados e prontos para fazer cair
de amores qualquer homem desavisado. Mas eu sabia, era o Diabo que
havia vindo até mim, e eu jamais cairia em tentação. Mesmo sendo o
Diabo. Mesmo tendo uma cintura fina e quadris largos. Mesmo tendo longos
cabelos negros que lhe destacavam as faces pálidas que por sua vez
destacavam os lábios rubros que por sua vez… caralho. Por que diabos
(ah, a sutil ironia) o diabo havia vindo até mim? Por que ele estava se
aproximando, caminhando com delicadeza, exalando um perfume doce e
envolvente? Por que eu? Por que vir até mim? Por que fazer eu esmagar
minhas bolas num processo de auto-depreciação, quebrando o pouco amor
próprio que ainda me restava só pela oportunidade de sentir aquele
perfume mais uma vez? E aí que eu me dei conta, não era esse meu
primeiro encontro com o diabo.
Não havia sido ele quem viera até mim.
O que eu procurava nas vielas escuras e becos sujos, agora eu sabia: eu procurava ele.
E por deus, sequer era o diabo. Era uma mulher. A minha mulher. Mas
que tinha a forma e os trejeitos do diabo. Porque nenhum outro ser tem o
poder de destruir o ego de um homem com apenas um toque de mãos e uma
abertura de sutiã. Estava decidido, eu jamais iria por aquelas vielas
escuras novamente, seguiria meu rumo, deixe que o passado se vá.
E naquela noite modorrenta de Janeiro lá estava eu, de novo, com o diabo vindo até mim.
(Lucas Panzarini)
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