Uma folha em branco, um lápis daqueles bem vagabundos, um
copo lascado com um gole de conhaque e um suspiro. Ela não sabia ao certo o que
queria desenhar, mas queria desenhar. Gostava de desenhar. Às vezes a
inspiração não vinha, sabe como é. Bloqueio criativo. Mas gostava. Sentava à
frente daquela mesa engordurada com marcas de copo e queimaduras de cigarro por
toda a sua extensão. Às veze acendia um cigarro e observava lentamente a fumaça
subindo em direção ao teto, dando ao cômodo fracamente iluminado um aspecto
fantasmagórico. Os olhos castanhos, emoldurados por uma forte maquiagem,
varriam o papel vazio devagar, como quem saboreia um prato absurdamente
saboroso. E aí ela baixava o lápis e começava a desenhar. Ora curvas, retas e
outras abstrações, ora rostos com os olhos felizes e os cabelos embaraçados,
ora casinhas de tijolo à vista com uma chaminé encarapitada no alto do telhado.
Volta e meia alguns bonequinhos compostos por cinco linhas e um círculo vivendo
as situações mais bizarras possíveis. Às vezes nem desenhava, ficava fitando o
papel em branco, querendo se teletransportar pra lá, pra um mundo aonde ela
tivesse controle sobre a própria vida, um mundo aonde ela pudesse escrever a
própria história, um mundo aonde as nuvens sorrissem e a noite fosse fresca e
iluminada pela luz amarela dos postes de uma praça aonde as pessoas passeiam de
mãos dadas todos os dias. Um mundo aonde ela pudesse fechar os olhos e dormir
em paz.
E sem perceber, sorria enquanto olhava prum papel em branco.
Às vezes deixava que uma lágrima solitária escorresse pelo c anto do olho,
borrando de leve a maquiagem, a qual corria arrumar em frente à penteadeira
abarrotada de coisas. Cuidadosamente espalhava a base, escondendo um roxo ou
outro que lhe maculava as bochechas. Retocava o batom de modo à camuflar
pequenos cortes que porventura aparecessem. As mangas compridas da blusinha
decotada tornavam as cicatrizes por todo o braço apenas uma lembrança ruim, e o
perfume forte disfarçava o cheiro de álcool e cigarro. E então ela voltava pra
sua folha em branco e continuava desenhando, as mãos delicadas segurando com
firmeza o lápis preto que contrastava com as unhas compridas e vermelhas. E
então ela sorria de novo.
Os passos pesados no assoalho de madeira do lado de fora do
quarto lhe deram o costumeiro arrepio. A porta escancarou, aberta com um
empurrão.
- Levanta daí,
piranha. Cê tem cliente.
Suspirando, ela levantou da cadeira. Amassou o papel
carinhosamente rabiscado e jogou no lixo.
Como fizera com todos os seus sonhos, pensou ela.
Sorriu e desceu as escadas.
(Lucas Panzarini)
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