sábado, 28 de fevereiro de 2015

madrugada.



Era de madrugada que saía de casa e caminhava pela cidade. Gostava de andar sob aquela garoa fina, gostava de sentir os pingos de água no rosto, gostava de sentir a camiseta drapejando com o vento forte que encanava pelas ruas. Gostava principalmente de observar o asfalto molhado refletindo a luz incandescente dos postes. Andava pela cidade sem rumo, observando, sorrindo, vendo o mundo inteiro acordar. Gostava dos barulhos, dos gritos, dos olhares sonolentos e dos passos apressados, gostava do cheiro de café das pequenas lanchonetes ao longo das ruas escorregadias. Gostava de ver seu reflexo nas poças d’água, gostava de ver as árvores, preguiçosas, deixando o orvalho escorrer por sobre as folhas. Gostava de sorrir e cumprimentar os transeuntes, que observavam confusos a gentileza de um completo desconhecido. Gostava de afagar os cães vagabundos parados debaixo da marquise, gostava de falar com os pássaros, gostava de sentar no banco da praça e ver os comerciantes abrindo as lojas, gostava de acompanhar o despertar daquele imenso caos urbano. Gostava do som das buzinas, das sirenes, dos alarmes sendo desligados, dos celulares sendo atendidos, gostava daquela bagunça sinestésica chamada cidade grande. Gostava de tudo aquilo.
Até que um dia escorregou e bateu a cabeça no meio-fio. Morreu na hora.

E, não muito longe dali, duas velhinhas comentavam “morreu o louquinho que andava por aí né? andava por aí debaixo de chuva, falando sozinho e rindo pro vento. que vida triste devia ser a dele né, comadre?” “é, pois é. benza deus que a gente é normal.”

(Lucas Panzarini)

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