segunda-feira, 2 de março de 2015

rotina.



E então descobriu que o mundo acabaria na quarta-feira. Ficou indignado, como assim eu não sabia disso, como ninguém avisa? E pra variar botaram a culpa no governo, nas autoridades, nas entidades e instituições. E aquela noite modorrenta de segunda-feira tornou-se agitada, pessoas chorando, lotando igrejas e templos, caindo em prantos no meio da rua, velas, procissões, um pouquinho de caos ali, outro pouquinho de confusão acolá. Luzes acesas, boatos, ruídos, gritos e mais choro. 

E, de repente, uma calma sobrenatural abateu-se sobre ele. Lá pelas tantas da noite, deitou-se ao lado de sua mulher e dormiu. Acordou ao som do despertador, no dia seguinte. Ele tinha apenas um dia restante. Levantou, lavou o rosto na mesma pia, secou-se com a mesma toalha, calçou o mesmo par de sapatos, vestiu a mesma camisa, a mesma calça, o mesmo cinto. Penteou o cabelo da mesma forma, com o mesmo pente. Colocou café na mesma xícara, mexeu com a mesma colher. Escovou os dentes com a mesma escova. Deu um beijo na esposa e saiu pela mesma porta. Pegou o mesmo ônibus, desceu no mesmo ponto. Entrou no mesmo prédio, bateu cartão no mesmo horário, sentou-se à mesma mesa, fez as mesmas coisas. Saiu no mesmo horário, atravessou a mesma rua, entrou na mesma padaria. E enquanto as pessoas passavam correndo por ele, mastigou o mesmo salgado de sempre como se nada estivesse acontecendo. Atravessou a mesma rua de cabeça baixa, com o mesmo sorriso acanhado. Voltou à mesma mesa, sentou-se da mesma forma e continuou fazendo as mesmas tarefas. Saiu no mesmo horário, caminhou até o ponto de ônibus, e fez algo que nunca fizera antes: comprou uma rosa branca na floricultura próxima. Entrou no mesmo ônibus segurando a flor como quem reza, desceu no mesmo ponto, entrou pela mesma porta pela qual saiu de manhã. Encontrou a mulher sentada no mesmo sofá da mesma sala. Beijou-a, e entregou a rosa. Sorriram como não sorriam desde muito tempo. Jantaram, escovaram os dentes e deitaram-se na mesma cama.

Deitado, ele sorria e só conseguia pensar em uma coisa: aquela rotina nunca mais se repetiria.


(Lucas Panzarini)

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