E então descobriu que o mundo acabaria na quarta-feira.
Ficou indignado, como assim eu não sabia disso, como ninguém avisa? E pra
variar botaram a culpa no governo, nas autoridades, nas entidades e
instituições. E aquela noite modorrenta de segunda-feira tornou-se agitada,
pessoas chorando, lotando igrejas e templos, caindo em prantos no meio da rua,
velas, procissões, um pouquinho de caos ali, outro pouquinho de confusão acolá.
Luzes acesas, boatos, ruídos, gritos e mais choro.
E, de repente, uma calma sobrenatural abateu-se sobre ele.
Lá pelas tantas da noite, deitou-se ao lado de sua mulher e dormiu. Acordou ao
som do despertador, no dia seguinte. Ele tinha apenas um dia restante.
Levantou, lavou o rosto na mesma pia, secou-se com a mesma toalha, calçou o
mesmo par de sapatos, vestiu a mesma camisa, a mesma calça, o mesmo cinto.
Penteou o cabelo da mesma forma, com o mesmo pente. Colocou café na mesma
xícara, mexeu com a mesma colher. Escovou os dentes com a mesma escova. Deu um
beijo na esposa e saiu pela mesma porta. Pegou o mesmo ônibus, desceu no mesmo
ponto. Entrou no mesmo prédio, bateu cartão no mesmo horário, sentou-se à mesma
mesa, fez as mesmas coisas. Saiu no mesmo horário, atravessou a mesma rua,
entrou na mesma padaria. E enquanto as pessoas passavam correndo por ele,
mastigou o mesmo salgado de sempre como se nada estivesse acontecendo.
Atravessou a mesma rua de cabeça baixa, com o mesmo sorriso acanhado. Voltou à
mesma mesa, sentou-se da mesma forma e continuou fazendo as mesmas tarefas.
Saiu no mesmo horário, caminhou até o ponto de ônibus, e fez algo que nunca
fizera antes: comprou uma rosa branca na floricultura próxima. Entrou no mesmo
ônibus segurando a flor como quem reza, desceu no mesmo ponto, entrou pela
mesma porta pela qual saiu de manhã. Encontrou a mulher sentada no mesmo sofá
da mesma sala. Beijou-a, e entregou a rosa. Sorriram como não sorriam desde
muito tempo. Jantaram, escovaram os dentes e deitaram-se na mesma cama.
Deitado, ele sorria e só conseguia pensar em uma coisa:
aquela rotina nunca mais se repetiria.
(Lucas Panzarini)
(Lucas Panzarini)
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