quinta-feira, 5 de março de 2015

sobreviver.

As janelas estilhaçadas. O sofá puído, o chão empoeirado. As cinzas lotando toda e qualquer superfície plana presente naquele ambiente. As cortinas semicerradas, a claridade do fim de tarde lutando contra a escuridão de um homem destruído. O litro de whisky quase no fim, a camisa xadrez impregnada de fumaça e blues, a barba de meses, os olhos cansados, as mãos firmes e as enormes botas sujas de barro e óleo. O perfume barato já nem mais disfarçava o odor de boemia que, rançoso, invadia as paredes, a mente, a alma de qualquer ser humano comum. A consciência entorpecida pelo álcool, os olhos injetados, a barba com pontos cinza que escapavam da ponta incandescente do cigarro e voavam graciosamente até o que era o perfeito retrato de um homem moribundo. Todo dia a rotina se repetia. Saía do apartamento escuro, fazia a sua via crucis carregando na garupa da motocicleta o peso de um passado cheio de erros, e de bar em bar bebia e tentava encontrar algum sentido naquilo tudo. Comia alguma coisa em algum lugar qualquer, pagava suas dívidas com notas amassadas tiradas do bolso interno da jaqueta de couro. E subia na moto e ia pra lugar nenhum, até estar cansado o suficiente pra não ter que deitar na cama fria e conviver com os demônios das suas escolhas. E enquanto voltava pra casa sentia aquele cheiro de asfalto molhado. E então acendia o último cigarro da noite, bebia o último gole da garrafa e se deitava.

E assim vivia.
Sobrevivia.

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