segunda-feira, 2 de março de 2015

sobre suicídio, jesus e isqueiros.




 Pela primeira vez, Lobo sentia medo. Tremia, angustiado, encolhido no canto daquela sala estranha.  Todas as paredes brancas, uma forte luz clara emanando de algum lugar desconhecido. Apenas duas portas, dispostas lado a lado, sem maçaneta ou fechadura aparente. Um zumbido elétrico preenchia o vazio daquele ambiente. Lobo apalpou os bolsos, encontrou uma carteira de cigarros que até então não estava ali. Se deparou com um cantil de aço cheio de whisky. Pelo cheiro, whisky da melhor qualidade. Enfiou a mão no bolso frontal do jeans surrado, encontrou um isqueiro. Seu primeiro isqueiro, presente de uma namorada que se fora há tempos. Assim como todos os outros. Foram embora. Seu pai, sua mãe, até mesmo seus cães. Os únicos que nunca me abandonaram foram os cigarros, a bebida e minha motocicleta, pensou ele. E mais uma vez ele se pegara mergulhando no passado, revivendo suas mágoas, suas desconfianças, seus instintos primais de sobrevivência. Remoendo emoções antigas, fazendo das memórias suas piores inimigas. E sorriu. Um sorriso de canto de boca, um sorriso debochado, quase que um sorriso de vingança. Começou a clicar o isqueiro incessantemente. Clique. Claque. Clique. Claque. 

 - Pelo amor do meu Pai, quer parar com isso?!

Lobo olhou assustado. A porta da direita se abrira, revelando uma figura um tanto quanto peculiar. Um sujeito quase como ele. Grandalhão, barbudo, de regata, jeans e coturnos. Os cabelos engrovinhados caindo por sobre os ombros.

 - Mas quem caralhos é você?
 - Jesus – disse o estranho com um sorrisinho.
 - Jes... como assim Jesus?
 - Assim sendo eu, porra! É incrível como TODO mundo tem que duvidar. Tem uns que acham que eu sou o capeta, e isso que é foda. A gente não pode usar uma roupa mais legal que os caras caem de pau em cima. Acho que esperam sei lá, um ser iluminado, de vestido, cercado de anjinhos e luz e o cacete a quatro. Não porra, não é assim que a banda toca. Aliás, desculpa, as vezes eu fico indignado. Você é o Lobo, né?
 - Ahn, sim, sou eu. E agora me explica o que eu to fazendo aqui, por favor?
 - Cê morreu, cara.
 - Morri?
 - Sim. Morreu. Foi pro saco. Peidou pro capeta. Vestiu o paletó de madeira. Como você preferir.
 - Eu prefiro saber o que aconteceu comigo, caralho!
 - Você se matou. Que eu me lembre você chegou bêbado em casa, botou um cigarro no canto da boca, acendeu, pegou um revólver e atirou contra a própria cabeça. Simples assim.
 - E eu não deveria estar sei lá, num lugar escuro cheio de fogo e enxofre e um cara chifrudo me enrabando?
 - Olha, dá pra providenciar o cara chifrudo pra te enrabar,mas quanto ao resto não. Esqueça o que você ouviu sobre suicídio, inferno e tudo o mais. Como eu disse, as coisas aqui são um pouco diferentes.
 - Caralho, e como funciona então?
 - Se você se matou você tem teus motivos, certo? Então o cara lá de baixo te ouve, o cara lá de cima te ouve e no fim você decide o que faz da tua eternidade.
 - Mas se eu decido por que eles vão me ouvir?
 - Pra você poder decidir corretamente, porra.
 - Ah, entendi. Então basicamente eu tenho o controle sobre o meu destino, mas tenho que passar por uma sabatina celestial e uma sabatina infernal pra eu saber se mereço o destino que acho que mereço?
 - Em resumo sim.
 - Bom, acho que é melhor do que ficar em casa.
 - Sei lá, cara. Sou onipresente.
 - Ah é.

Jesus saiu pela porta. Lobo acendeu outro cigarro.


(Lucas Panzarini)

Nenhum comentário:

Postar um comentário