Pela primeira vez, Lobo sentia medo. Tremia, angustiado,
encolhido no canto daquela sala estranha.
Todas as paredes brancas, uma forte luz clara emanando de algum lugar
desconhecido. Apenas duas portas, dispostas lado a lado, sem maçaneta ou
fechadura aparente. Um zumbido elétrico preenchia o vazio daquele ambiente.
Lobo apalpou os bolsos, encontrou uma carteira de cigarros que até então não
estava ali. Se deparou com um cantil de aço cheio de whisky. Pelo cheiro,
whisky da melhor qualidade. Enfiou a mão no bolso frontal do jeans surrado,
encontrou um isqueiro. Seu primeiro isqueiro, presente de uma namorada que se
fora há tempos. Assim como todos os outros. Foram embora. Seu pai, sua mãe, até
mesmo seus cães. Os únicos que nunca me abandonaram foram os cigarros, a bebida
e minha motocicleta, pensou ele. E mais uma vez ele se pegara mergulhando no
passado, revivendo suas mágoas, suas desconfianças, seus instintos primais de
sobrevivência. Remoendo emoções antigas, fazendo das memórias suas piores
inimigas. E sorriu. Um sorriso de canto de boca, um sorriso debochado, quase
que um sorriso de vingança. Começou a clicar o isqueiro incessantemente.
Clique. Claque. Clique. Claque.
- Pelo amor do meu
Pai, quer parar com isso?!
Lobo olhou assustado. A porta da direita se abrira,
revelando uma figura um tanto quanto peculiar. Um sujeito quase como ele.
Grandalhão, barbudo, de regata, jeans e coturnos. Os cabelos engrovinhados
caindo por sobre os ombros.
- Mas quem caralhos é
você?
- Jesus – disse o estranho
com um sorrisinho.
- Jes... como assim
Jesus?
- Assim sendo eu,
porra! É incrível como TODO mundo tem que duvidar. Tem uns que acham que eu sou
o capeta, e isso que é foda. A gente não pode usar uma roupa mais legal que os
caras caem de pau em cima. Acho que esperam sei lá, um ser iluminado, de
vestido, cercado de anjinhos e luz e o cacete a quatro. Não porra, não é assim
que a banda toca. Aliás, desculpa, as vezes eu fico indignado. Você é o Lobo,
né?
- Ahn, sim, sou eu. E
agora me explica o que eu to fazendo aqui, por favor?
- Cê morreu, cara.
- Morri?
- Sim. Morreu. Foi
pro saco. Peidou pro capeta. Vestiu o paletó de madeira. Como você preferir.
- Eu prefiro saber o
que aconteceu comigo, caralho!
- Você se matou. Que
eu me lembre você chegou bêbado em casa, botou um cigarro no canto da boca,
acendeu, pegou um revólver e atirou contra a própria cabeça. Simples assim.
- E eu não deveria
estar sei lá, num lugar escuro cheio de fogo e enxofre e um cara chifrudo me
enrabando?
- Olha, dá pra
providenciar o cara chifrudo pra te enrabar,mas quanto ao resto não. Esqueça o
que você ouviu sobre suicídio, inferno e tudo o mais. Como eu disse, as coisas
aqui são um pouco diferentes.
- Caralho, e como
funciona então?
- Se você se matou
você tem teus motivos, certo? Então o cara lá de baixo te ouve, o cara lá de
cima te ouve e no fim você decide o que faz da tua eternidade.
- Mas se eu decido
por que eles vão me ouvir?
- Pra você poder
decidir corretamente, porra.
- Ah, entendi. Então
basicamente eu tenho o controle sobre o meu destino, mas tenho que passar por
uma sabatina celestial e uma sabatina infernal pra eu saber se mereço o destino
que acho que mereço?
- Em resumo sim.
- Bom, acho que é melhor do que ficar em casa.
- Sei lá, cara. Sou onipresente.
- Ah é.
Jesus saiu pela porta. Lobo acendeu outro cigarro.
(Lucas Panzarini)
(Lucas Panzarini)
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